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A questão do tempo tem desafiado a competência dos economistas, como, de resto, dos cientistas em geral. Ambos os grupos têm se esforçado para introduzir essa variável em seus modelos, sempre com o risco de subestimar a complexidade da tarefa.  Longe de ser um conceito unívoco, o tempo tem múltiplas dimensões e assume significados diversos: tempo histórico, tempo linear, tempo cíclico, tempo do relógio, tempo cronológico, tempo-espaço, tempo como medida, tempo subjetivo e outros de uma lista que parece interminável.

Na economia comportamental, a escolha que se processa no tempo tem sido objeto de reflexão teórica e pesquisa experimental. Os pesquisadores querem explicar como os agentes descontam o futuro, ou seja, que nível de recompensa demandam para adiar seu ganho, a cada intervalo de tempo. Mais recentemente, vêm tentando entender como emoções antecipadas em relação aos resultados das escolhas afetam essas mesmas escolhas.

Passos importantes nessa pesquisa, embora longe de serem definitivos, foram dados por George Loewenstein e seus vários colaboradores. Desde a década de 1990 Loewenstein dedica-se a analisar as implicações teóricas e práticas de experimentos que apontam a falta de realismo do modelo-padrão de utilidade descontada, adotado pela teoria tradicional. Nessa empreitada os economistas mais uma vez somaram seus esforços aos dos psicólogos cognitivos. Como estes últimos, sentiram desde o início a necessidade de raciocinar com o tempo subjetivo, para compreender como se dá a passagem do tempo aos olhos do agente.

Vamos aqui descrever alguns resultados dessas pesquisas, com o cuidado de evitar, tanto quanto possível, uma linguagem mais técnica.

O fluxo do tempo está sujeito a distorções que brotam da impaciência e da impulsividade do agente, que prefere ganhar uma quantia menor no presente (digamos, $80) a uma quantia maior no futuro ($90 depois de um mês). Essa desvalorização relativa do futuro aplica-se também a custos, que tendem a ser menos rejeitados à medida que se afastam no tempo. Assim, o consumidor prefere comprar um ar condicionado mais barato, mas que no futuro terá custos de manutenção mais altos; o dono de um automóvel com um pequeno defeito procrastina a ida à oficina, e esse comportamento poderá criar a necessidade de um conserto muito maior no futuro.

Nos experimentos típicos, o sujeito é chamado a atribuir valor a recompensas situadas em diferentes pontos do tempo. Movido por sua impaciência, ele estipula uma recompensa muito grande para abrir mão do ganho imediato, ou, dito de outro modo, aplica uma taxa de desconto elevada ao valor presente de recompensas que só terá no futuro. Essa preferência forte por recompensas aqui e agora foi apelidada de “viés do presente”, e tem sido objeto de preocupação dos governos de todo o mundo. O exemplo mais citado disso é a formação de uma poupança para aposentadoria; a esse respeito a pesquisa científica aprofunda a explicação de padrões que o senso comum já tinha há muito percebido. Entre outras consequências indesejáveis, a preferência pelo consumo imediato inibe a formação de um pecúlio suficiente para sustentar as pessoas na velhice, etapa da vida humana que os avanços da medicina têm conseguido prolongar.

Curiosamente, as pesquisas sobre escolhas intertemporais começaram a ser feitas entre ratos e pombos, aos quais eram apresentadas alternativas de recompensa (alimento, água) em diferentes pontos do tempo (Ainslie 1992). Psicólogos também conceberam e aplicaram o conhecido “teste do marshmallow” a crianças pequenas; se estas conseguissem resistir à tentação de comer o doce que era colocado a sua frente no início do experimento, eram premiadas com dois doces no final do mesmo (Mischel 2014). Como resultado sistemático de uma série de testes desse tipo, os psicólogos perceberam que as crianças que demonstravam maior autocontrole no experimento tinham melhor desempenho escolar e se saíam melhor em testes de competência quando atingiam a adolescência.

Nos modelos econômicos convencionais, o pressuposto de impaciência se soma a dois outros: independência de escolhas e desconto constante do tempo. O primeiro está associado a um modelo de utilidade aditivo, no qual a utilidade de uma sequência de resultados ou recompensas é considerada igual ao somatório da utilidade de cada resultado isoladamente (Muramatsu e Fonseca 2007). Digamos que Jorge deva exercer sua preferência entre jantar num restaurante italiano ou num restaurante tailandês. Segundo o pressuposto de independência, a escolha que fará hoje não é afetada pelo fato de ter jantado num restaurante tailandês ontem, ou de ter agendado um jantar tailandês para amanhã.

Já o segundo pressuposto define que o agente calcula o valor presente de suas escolhas futuras de forma linear, ou seja, desconta seus fluxos de utilidade a uma taxa invariável no tempo. Esses pressupostos estão na base do modelo concebido por Paul Samuelson (1937). Embora o próprio Samuelson tivesse reservas em relação a seu modelo, os economistas o adotaram por causa da possibilidade de dar tratamento formal a escolhas distribuídas no tempo e, portanto, obter uma medida cardinal de utilidade. Na crítica ferina de Richard Thaler (2016, p. 94) trata-se de um caso típico de cegueira induzida pela teoria. O ensino de economia perpetua esse hiato entre o comportamento teoricamente definido, sustentado na noção de agentes plenamente racionais, e o comportamento efetivo dos seres humanos.

Nos últimos 20 anos multiplicaram-se os experimentos com seres humanos, que são chamados a escolher entre diferentes recompensas (monetárias ou não) e custos distribuídos ao longo do tempo. Verificou-se, por exemplo, que vícios como o álcool e a cocaína aumentam a impaciência das pessoas e, portanto, sua impulsividade. Uma pessoa impulsiva dá pouca importância às consequências futuras de suas ações, pois em seu olhar míope os custos das mesmas sofrem uma depreciação significativa à medida que transcorre o tempo. Vícios como o álcool e a cocaína, entre outros tipos de compulsão, estão associados a reações viscerais que ativam respostas instantâneas do Sistema 1, geradas no calor do momento. Há respostas físicas que impedem que o indivíduo leve em conta os futuros desdobramentos de sua decisão de ceder ao vício hoje.

Críticos do modelo de utilidade descontada, psicólogos cognitivos e economistas comportamentais conceberam experimentos que pudessem oferecer maior realismo descritivo. Testaram e refutaram o pressuposto de variações lineares constantes na taxa de desconto, concluindo pela inconsistência dinâmica do agente. Isso deu à curva de desconto do tempo um formato hiperbólico, em substituição ao formato exponencial: o agente desconta o futuro próximo a determinada taxa, que é alta, mas que decresce com o tempo. Assim, Rodolfo prefere receber $80 hoje a $90 daqui um mês, mas está disposto a esperar três meses para receber $100, seis meses para receber $130 e assim por diante. Em termos mais técnicos, sua taxa de desconto do futuro decresce com o tempo, pois a espera pela recompensa lhe parece mais dolorosa no momento presente do que no futuro mais distante.

Laibson (1997) sugere que a curva de desconto do tempo assume um formato aproximadamente hiperbólico ou “quase-hiperbólico”. Com isso ressalta o fato de que o valor subjetivo das escolhas de Rodolfo declina de forma abrupta no momento t+ 1, mas de forma bem menos acentuada no futuro distante, havendo inconsistência entre suas preferências no tempo t e no tempo t + 1. Esse padrão é contestado por Rubinstein (2003), que defende uma variedade de formatos na taxa de desconto do tempo.

De uma maneira geral, um resultado robusto dos experimentos sobre escolha intertemporal é a reversão de preferências. Entre receber $80 hoje e receber $90 dentro de um mês Rodolfo prefere a primeira alternativa, mas quando essa escolha é proposta para o ano seguinte ele opta pela segunda alternativa e concorda em esperar mais um mês.

Pesquisas posteriores têm trazido novas evidências sobre inconsistência temporal, mostrando, por exemplo, que o indivíduo aplica uma taxa de desconto maior para perdas do que para ganhos, e que essa taxa de retorno varia com o tamanho da recompensa. Nesse rumo, os economistas comportamentais vêm propondo novos esquemas explicativos, capazes de contrabalançar a falta de realismo do modelo de utilidade convencional.

Ao analisar a questão das escolhas que são feitas em sequência, Loewenstein e Prelec (1993) consideram a influência daquilo que chamam de “emoções antecipadas (ou antecipatórias)”.  A ideia é que decidir entre diferentes cursos de ação envolve não apenas as emoções do momento da escolha como aquelas previstas a partir de suas possíveis consequências no futuro (Loewenstein e Lerner 2003).  Em termos simples, o investidor que cogita transferir seus recursos para um fundo de alto risco pode desistir de fazer isso por antecipar a possibilidade de arrepender-se de sua decisão, sentimento que deseja evitar.

Quando se adota o pressuposto de independência de escolha, o agente que se vê diante de uma sequência de escolhas, ordenadas segundo sua maior ou menor preferência, escolherá primeiro a mais desejável, em segundo lugar a segunda melhor e assim por diante, adotando uma taxa positiva de desconto do tempo. A sustentação empírica dessa suposição é desmontada por Loewenstein e Prelec, por redução ao absurdo. Tome-se o caso da pessoa que programa no tempo uma sucessão de diferentes estados de saúde. Na visão convencional, o agente invariavelmente escolherá primeiro o estado que representa o melhor resultado; em segundo lugar, o segundo melhor resultado; e assim sucessivamente, até escolher por último o pior resultado. Em termos gerais, esse princípio implica que o agente escolherá uma sucessão de estados de saúde cada vez piores!

Está, pois, colocado em suspeição o pressuposto de independência de escolhas no caso das emoções suscitadas por ações em sequência. Os experimentos conduzidos por Loewenstein mostram que, em situações da vida real, o agente que planeja esse tipo de ação pretende atingir o melhor resultado no final de seu horizonte de tempo, e não no começo.

Para facilitar o entendimento, é possível pensar numa variante das situações descritas pelos autores. Imaginemos que Luiz Antônio planeja visitar a cidade onde passou a infância, e durante sua estada quer agendar dois compromissos: a pedido de sua mãe, jantar na casa de uma tia velha, que é uma cozinheira sofrível; e sair para jantar num bom restaurante com amigos de infância. Os experimentos revelam que essas duas ações são planejadas na sequência da menos agradável (tia velha) à mais agradável (amigos de infância). Da mesma forma, Luiz Antônio planeja jantar neste sábado num restaurante de cozinha apenas OK e, no sábado seguinte, num restaurante estrelado. Por que não a sequência inversa? Porque Luiz Antônio encadeia suas escolhas da menos para a mais desejada. Vistas como uma sequência, suas escolhas são progressivas.

Outro resultado interessante das pesquisas de Loewenstein e Prelec aplica-se a sequências de ações com diferentes valores (valências), digamos, ganhos grandes e ganhos pequenos. A tendência do agente é “espalhar” suas escolhas no tempo, de tal forma a intercalar pequenas recompensas com recompensas maiores. O mesmo vale para perdas e ganhos, sujeitos ao viés de aversão à perda: Manoel prefere ganhar $85 hoje, perder $ 15 na semana seguinte, ganhar $85 daí a mais uma semana e finalmente perder $15 na quarta semana, mesmo sabendo que a sequência contrária lhe proporcionaria uma recompensa idêntica no final do processo. Em poucas palavras, ele distribui suas escolhas mais compensatórias ao longo do tempo.

Em artigo recente, Livet (2017) lança um olhar mais detido sobre o impacto que emoções antecipadas têm sobre as escolhas. Como raciocinar com ações que não podem ser alinhadas no tempo de tal forma a assegurar que o melhor resultado seja obtido ao final? Vejamos o caso de Zaíra, que quer entregar seu trabalho de faculdade no dia seguinte e por isso recusa o convite para festa que lhe faz a amiga Carmen. Ao cair da tarde, porém, a força de vontade de Zaíra fraqueja — e se eu der apenas uma passadinha na festa? Uma vez na festa (por sinal, de arromba), mais uma vez reconsidera sua sequência de ações: festa, trabalho, festa… O fato é que as escolhas de Zaíra têm natureza conflitiva, são diferentes das de Luiz Antônio ou Manoel, porque não podem ser compatibilizadas.

Embora o artigo de Livet não traga novos resultados experimentais, sua discussão avança na construção de explicações mais sofisticadas, em que as escolhas que fazem parte de uma mesma sequência são examinadas etapa por etapa. À medida que a abordagem se torna menos irrealista e mais complexa, a economia comportamental dá um salto de qualidade em direção ao tratamento do tempo das escolhas.

Todas estas questões estão relacionadas à dinâmica da ação e à dimensão subjetiva do tempo. Elas não levam em conta o tempo histórico, cenário maior onde a escolha individual ocorre. Como tantas outras questões que dizem respeito a fenômenos temporais, não foram ainda satisfatoriamente equacionadas pelos economistas comportamentais, nem em termos teóricos, nem em termos empíricos, nem mesmo no que diz respeito a suas aplicações na tomada de decisão individual e em políticas públicas. A própria noção de preferência temporal merece uma investigação mais detida, para determinar se é um conceito unitário ou se é um composto de motivações psicológicas mais básicas, algumas delas possivelmente conflitantes, como defendem Frederick, Loewenstein e Donoghue (2003). Só resta continuar pesquisando, então.

Referências

Ainslie, George W.. Picoeconomics: The strategic of successive motivational states within the person. Cambridge University Press, 1992.

Laibson, David. Golden eggs and hyperbolic discounting, The Quarterly Journal of Economics, Volume 112, Issue 2, 1 May 1997, Pages 443–478. https://doi.org/10.1162/003355397555253.

Livet, Pierre.  Temporal  discounting,  emotions  and  agency.  OEconomia,  vol. 7 n. 2, pp. 191-200, 2017.

Loewenstein, George F. e Lerner, Jennifer S.. The role of affect in decision making. In R. Davidson, H. Goldsmith, & K. Scherer (eds.), Handbook of Affective Science, Oxford University Press, pp. 619-642, 2003.

Loewenstein, George F. e Prelec, Drazen. Preferences for sequences of outcomes. Psychological  Review, vol.  100, n. 1, pp. 91-108, 1993.

Mischel, W.. The  marshmallow  test:    Why  self-control  is  the  engine  of  success.  Little, Brown, 2014.

Muramatsu, Roberta e Fonseca, Patricia. Economia e psicologia na explicação da escolha intertemporal. Revista de Economia Mackenzie, vol. 6, n. 1, pp. 87-112.

Frederick, Shane, Loewenstein, George e Donoghue, Fred. Time discounting and time preference: a critical review. Journal of Economic Literature vol. XL, pp. 351-401, junho 2003.

Samuelson, Paul. A note on the measurement of utility. Review of Economic Studies vol.40, n. 2,  pp. 155-161, 1937.

Thaler, Richard. Misbehaving: The making of behavioral economics. Norton & Co., 2016.

 

 

 

 

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