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Colaborador visitante: Dante Avanzi

Para os apaixonados em economia comportamental como eu, ter a oportunidade de estudar uma semana inteira sobre o tema na Universidade de Yale é um grande privilégio. Yale, juntamente com Princeton, é uma das universidades nos EUA em que o estudo da Economia Comportamental está mais avançado.

A semana de estudos em Yale que participei faz parte de um programa chamado GNW – Global Network Week, da qual fazem parte 18 universidades em todo o mundo. A FGV/EAESP, onde curso meu mestrado profissional em administração, faz parte do programa. Alunos de países como China, Filipinas, Malasia, Turquia, Israel, Africa do Sul, Canada, Chile, entre tantos outros participaram da GNW em Yale.

O foco da agenda da semana foi o estudo da Economia Comportamental aplicada ao marketing, mas também estudamos aplicações da Economia Comportamental em finanças e em negociação.

Primeiro dia, segunda-feira

A primeira sessão se concentrou nos conceitos gerais da Economia Comportamental, como a racionalidade limitada de um indivíduo a e influência dos vieses cognitivos e heurísticas na tomada de decisão (Kahneman e Tversky, 1979).

A sessão da tarde teve como tópico principal a teoria da perspectiva, um dos conceitos propostos por Kahneman e Tversky (1979) mais importantes da economia comportamental, e sua aplicação em marketing. A teoria da perspectiva é baseada em três características cognitivas principais:

I – A utilidade de um indivíduo é sempre medida a partir de um ponto de referência. Se dois invidíduos A e B possuem R$ 5 milhões, porém ontem o indivíduo A possuia R$ 1 milhão e o indivíduo B possuía R$ 9 milhões, seguramente o bem-estar atual do indivíduo A será maior do que a de B, mesmo que ambos hoje possuam a mesma riqueza.
Aplicação no Marketing: Muitas marcas veiculam anúncios na televisão procurando vender os seus produtos através da comparação da utilidade de um indivíduo antes e depois da aquisição destes produtos.

II – Princípio da sensibilidade decrescente: o mesmo consumidor que está disposto a caminhar 10 minutos para conseguir um desconto de R$ 20,00 em um ítem que custa R$ 30,00, muito provavelmente não fará esta caminhada se o mesmo desconto de R$ 20,00 for aplicado a um item de R$ 5.000,00. Ou seja, o que acaba valendo é o desconto percentual percebido, quando o correto deveria ser a percepção do desconto absoluto.
Aplicação no Marketing: Este é um princípio muito utilizado na venda de acessórios de carros: ao comprar um carro um indivíduo compara valores de acessórios ao valor do carro e como o valor porcentual com relação ao valor do carro é baixo, acaba comprando os acessórios. Porém dificilmente compraria estes acessórios se fossem adquiridos individualmente. Você teria a mesma disposição para comprar um sofá de R$ 3.000,00 para a sua casa que tem para comprar bancos de couro do mesmo valor quando adquire um carro de R$ 60 mil?

III – O terceiro princípio se baseia no viés cognitivo de aversão à perda, através da qual um indivíduo tende a ser mais afetado pelas perdas do que pelos ganhos. A “razão de aversão à perda” é geralmente entre 1,5 e 2,5 vezes maior do que o ganho equivalente. Isto significa que se um indivíduo recebe uma proposta de aposta, em que se der “cara” em um lançamento de uma moeda ele ganha R$ 100,00 e se der “coroa” ele perde R$ 100,00, dificilmente ele aceitaria esta proposta.
Aplicação no Marketing: quando os cartões de crédito foram lançados existia um risco de que fosse permitido a cobrança de preços diferentes para produtos pagos com cartão ou dinheiro. As operadoras de cartão tinham um plano alternativo caso isso de fato ocorresse: a diferença, se permitida, seria classificada como um desconto em dinheiro, não sobretaxa do cartão de crédito. Isto porque, devido ao viés cognitivo aversão à perda, alguns consumidores estariam dispostos a renunciar a um desconto, mas não a pagar uma sobretaxa.

Shane Frederick

Aula com Prof. Shane Frederick

Segundo dia, terça-feira

A manhã do segundo dia foi dedicada à influência dos vieses cognitivos na avaliação que o consumidor faz sobre uma determinada experiência:

1) Expectativa que o consumidor tem sobre um determinado evento. Expectativas diferentes produzem percepções diferentes sobre exatamente o mesmo fato. Um teste “cego” entre consumidores de coca-cola e pepsi apontou a pepsi como o produto mais saboroso. Porém o mesmo teste, agora apresentando aos consumidores os rótulos das marcas, fez com que a coca-cola fosse apontada como a vencedora. Ou seja, a expectativa de se beber coca-cola pesou na decisão dos consumidores.

2) Lembrança que um consumidor tem de uma determinada experiência é uma função do momento mais intenso dela e de como ela se encerrou; este viés cognitivo é conhecido também como a regra do “pico-fim” e a duração da experiência possui pouca influência neste processo. Portanto se um hotel precisar optar entre colocar um chocolate na cama de um hóspede no início ou no final da sua estadia, ele deve optar pela segunda opção. A Disney sempre auxilia os consumidores a encontrar seus carros no estacionamento de seus parques ao final do dia. Ela não quer correr o risco do consumidor terminar a experiência de um dia mágico de maneira negativa, mesmo que o consumidor perder seu carro não seja culpa da Disney.

3) A influência que o pagamento exerce sobre a lembrança que um consumidor tem de uma determinada experiência. Pagar uma viagem de férias antes que ela ocorra, por menos racional que possa parecer (em teoria quanto mais se retarda para se pagar a viagem, mais se pode ganhar com os juros pagos pelo banco antes de se quitar a dívida), melhor vai ser a sensação do consumidor durante e depois da viagem. Pagar com cartão de crédito, ao invés de se pagar em dinheiro, também ajuda a aliviar a dor do pagamento. Coincidência ou não, a minha viagem para Yale foi paga com cartão de crédito e antes que ela fosse realizada…

A tarde do segundo dia foi dedicada ao tema arquitetura de escolhas e nudge (Thaler e Sustein, 2008).

Um nudge é uma arquitetura de escolha que, assumindo a influência dos vieses cognitivos e heurísticas, guia o comportamento de um indivíduo a partir da estruturação cuidadosa da forma como as informações e opções são apresentadas a ele. Algumas importantes informações e opções:

– Opção default: são opções pre-estabelecidas que exercem grande influência sobre a decisão do consumidor. Ao comprar um computador em um site na internet, por exemplo, a probabilidade do consumidor comprar acessórios adicionais se eles já estiverem pré-selecionados (já “ticados”) será sensivelmente maior do que se eles não estiverem.
– Timing: O momento da abordagem também é muito importante. Um fabricante de amaciante para roupas anunciou seu produto na parte de cima de ônibus. A probabilidade de impactar donas de casa no momento em que estão estendendo roupa no varal na sacada do seu apartamento aumenta significativamente.

Layout: A arquitetura de uma loja e como os produtos estão dispostos nela podem fazer toda a diferença na decisão de compra do consumidor. Um varejista fez uma inovação muito simples que aumentou as vendas em mais de 30%: disponibilizou os carrinhos de compra logo após a entrada da loja e não aos fundos dela, como geralmente acontece. O resultado foi que mais pessoas passaram a pegar o carrinho de compras e, por consequência, a comprar mais.

– Framing: É a maneira como se apresenta as informações aos consumidores, podendo produzir variações sensíveis na tomada de decisão. Um fabricante de teste de gravidez segmentou o mesmo produto para dois públicos alvos distintos: os que querem engravidar e os que estão com medo de engravidar. Para o primeiro grupo, o nome dado ao produto foi Conceive (algo como “dar a luz”), enquanto que para o segundo, o nome dado foi Quick View (uma rápida olhada). O preço cobrado pela primeira marca era mais alto, já que em teoria casais que querem ter filhos já estão em um estágio financeiro mais avançado do que casais que buscam o sexo por diversão. Em tempo, a localização do Conceive dentro das lojas estava localizado perto de fraldas, enquanto que o Quick View, perto de camisinhas.

Aula com a Prof. Zoe

Terceiro dia, quarta-feira

Neste dia o foco da economia comportamental foi a sua aplicação na área de finanças e em negociações.

Em finanças os dois principais vieses cognitivos abordados foram o overconfidence e o overextrapolation.

– Overconfidence: Os indivíduos tendem a superestimar a sua confiança para muitos eventos. 80% dos alunos de um curso de MBA responderam que terminariam o curso entre os 10% com as melhores notas. Cerca de 80% dos casais americanos creem que não vão se separar, mesmo sabendo que para metade deles isto vai ocorrer mais cedo ou mais tarde. A grande maioria das fusões e aquisições de empresas não gera valor para a empresa compradora; mesmo assim elas continuam acontecendo. Uma parte disto pode ser explicada pela overconfidence dos CEOs das empresas compradoras.

– Overextrapolation: É uma heurística em que um indivíduo toma como verdade o passado recente, é muito parecida com a heurística da disponibilidade. A heurística overextrapolation guia, por exemplo, como os investidores adquirem ações: se as ações de uma determinada empresa estão subindo, o investidor geralmente vai comprá-la; ao contrário, se as ações da empresa estão caindo, o investidor normalmente vai vendê-la. Assim, parte da explicação para a formação de bolhas no mercado acionário se deve à heurística overextrapolation.


Para negociações foram apresentadas 6 ferramentas chave da economia comportamental para aumentar a persuasão:

1. Moments of truth: Existe sempre o momento mais adequado para se pedir algo.
2. Social Proof: Se muitos fazem é porque deve ser bom. São os famosos “likes” do facebook, por exemplo. O Social Proof é similar ao “efeito manada” do marketing, no qual muitos copiam seus pares para estarem incluídos socialmente (ou para, em um nível mais profundo, estarem protegidos).
3. Comprometimento e Consistência: faça com que o outro lado aja de acordo com o padrão de comportamento que ele entenda ser o correto e você terá mais sucesso em sua negociação. Falar para crianças que elas deveriam ser bem educadas fez com que 85% delas deixassem lixo na sala de aula. Falar para as mesmas crianças de uma sala de aula que elas são bem educadas fez com que apenas 31% delas deixassem lixo na classe.
4. Ancoragem: Âncoras funcionam como um ponto de referência em uma negociação e possuem uma grande influência sobre a outra parte. Quando uma camiseta em uma loja custa “DE R$ 100,00 POR R$ 75,00”, o consumidor entende que está fazendo um bom negócio, já que ancorou o preço referência em R$ 100,00. Assim, em uma negociação de compra e venda, por exemplo, sugere-se geralmente iniciar a negociação dando o primeiro lance para assim já se estabelecer uma âncora inicial.
5. Reciprocidade: Aqueles que dão vão geralmente receber algo em troca, seja mais cedo ou mais tarde
6. Escassez: A quantidade limitada de suprimento pode ser uma arma poderosa para valorizá-lo. Em todos os lançamentos de produto a Apple limita a quantidade inicial oferecida, justamente para valorizá-los ainda mais.

Quarto dia, quinta-feira

Pausa nos estudos para visitar as empresas Time Warner, Credit Suisse e Pepsico na cidade de Nova York: Os principais executivos destas empresas nos contaram sobre seus principais desafios e também como a Economia Comportamental pode ajudá-los neste processo. Um deles relatou que, para ter seus funcionários mais comprometidos, lançou mão de conceitos da Economia Comportamental como o Perceived Progress e Goal Visibility. No primeiro conceito a percepção de progresso é mais importante do que o progresso em si e portanto a empresa instituiu avaliações de desempenho mais frequentes. No segundo conceito, ampliar a visibilidade das metas faz com que um indivíduo se comprometa mais para atingí-las. Assim a empresa passou a comunicar semanalmente o quanto falta para o atingimento das metas mensal e anual.

Credit Suisse

Quinto e último dia, sexta-feira

Hora de colocar em prática todos os aprendizados da semana. Fomos divididos em grupos para apresentarmos um dos tópicos aprendidos da economia comportamental.

As apresentações foram muito boas e criativas:

– Um dos grupos, que escolheu o tema framing, fez filmagens simulando o CEO de uma empresa comunicando uma grave crise pela qual a suposta empresa passava. Na primeira filmagem ele ameaçava os funcionários com demissões; na segunda, muito mais propícia, um outro CEO inspirava os funcionários a transformar a empresa para superar a crise.

– Um outro grupo optou por analisar as situações de negócio das empresas visitadas – Time Warner, Credit Suisse e Pepsico – e sua analogia com alguns vieses cogntivos e heurísticas.

– Para a nossa apresentação escolhemos o conceito “pico-fim”. Começamos dando como exemplo o filme “uma linda mulher”, com a Julia Roberts e o Richard Gere. O pico do filme foi a primeira vez que o casal se beija e o fim, o final feliz com o casal terminando juntos. Em seguida fizemos a analogia do conceito “pico fim” com a nossa semana em Yale: o pico tinha sido a viagem para Nova York, porém o fim da semana precisava também terminar com chave de ouro. E para isso propusemos no final da nossa apresentação uma foto com todos os alunos e organizadores do curso, para assim podermos eternizar não só o momento, mas também toda a semana que tivemos em Yale.

Após a entrega dos certificados, hora das despedidas. E seguramente a memória que fica da experiência da semana em Yale é de uma semana excelente, de muita intensidade, aprendizados, muitas novas amizades e, claro, muita economia comportamental.

Brasileiros no Coquetel do Clube de Yale

Referências Bibliográficas

KAHNEMAN, Daniel e TVERSKY, Amos. Prospect Theory: An analysis of decision under Risk. Econometrica Vol. 47, No 2 (Mar 1979), pp. 263-292

SIMON, Herbert. A. Models of man. New York: John Wiley and Sons, 1957.

THALER, Richard H e SUNSTEIN, Cass. Nudge – Improving Decisions about Health, Wealth and Happiness. Yale University Press 2008

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