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Ancora2

Antes de mais nada, um aviso: este não é um post sobre a economia das embarcações ou seus componentes. Mas antes de esclarecer o que âncoras têm a ver com esse texto, permita-me convidá-lo a participar de um rápido experimento. Dura menos de 1 minuto e todos os participantes serão remunerados com zero reais.

O experimento é o seguinte: pense nos dois últimos dígitos do seu CPF. Se tiver papel e caneta a mão, escreva os números. Agora responda às seguintes perguntas:

Pergunta 1: Você acha que o percentual de países membros da ONU que são da África é maior ou menor do que esse número?
Pergunta 2: Qual você acha que é o percentual de países africanos na ONU?

Pode parecer bobagem, mas é bastante provável que as pessoas cujos dígitos finais do CPF são próximos de 99 responderam a pergunta 2 com números maiores do que participantes cujos dígitos finais eram mais próximos de 00. (Se estiver curioso sobre a resposta correta, ela está no final do texto).

Experimentos e a Arbitrariedade Coerente

Embora à primeira vista este experimento pareça estranho e algo tolo, os pesquisadores Amos Tversky e o ganhador do Nobel de economia Daniel Kahneman realizaram um experimento muito parecido no início da década de 1970. A única diferença foi que em vez de perguntar o número de um documento, eles simularam um sorteio de um número de 0 a 100 para cada participante. O resultado? Pessoas que receberam um número maior estimaram um percentual maior de países africanos na ONU: a mediana das estimativas dos participantes foi 25, para os que receberam o número 10, e 45 para os que receberam 65.

Em outro estudo, os pesquisadores Dan Ariely, George Loewenstein e Drazen Prelec pediram aos participantes que ouvissem a ruídos desagradáveis. Em seguida, os pesquisadores lhes perguntaram por quanto estariam dispostos a ouvir aquele mesmo ruído por outros 10, 30 ou 60 segundos. Como os ruídos eram bastante irritantes, os participantes exigiram mais quanto maior a duração do som.

Até aqui, nada de muito inesperado. Mas o resultado interessante é esse: o valor inicial exigido por cada participante foi fortemente influenciado por uma âncora manipulada pelos autores. Na realidade, por diversas âncoras: ora um número escolhido pelo computador, ora os últimos dígitos de seus documentos pessoais. A conclusão do trabalho foi bem resumida no próprio título: Coherent Arbritariness; ou seja, somos arbitrários na definição dos preços, mas coerentes uma vez que temos um valor em mente.

A essa altura já deve ter ficado claro o porquê do nome efeito âncora: assim como a posição de uma embarcação é limitada pela área de alcance da âncora, há situações em que somos limitados por um valor arbitrário, que em certa medida condiciona nossas escolhas.

O que podemos concluir a partir desses resultados? Que somos todos irracionais e facilmente influenciados por valores arbitrários? Ou será que os efeitos são meras curiosidades, restritas aos ambientes estudados? Em suma, qual a importância do efeito âncora?

Se por um lado é evidente que não somos influenciados por itens irrelevantes nas decisões importantes de nossa vida ou nas que estamos acostumados a tomar, por outro lado esses resultados trazem uma importante lição: em situações não corriqueiras, valores arbitrários podem servir como uma âncora e influenciar o resultado final.

Pense, por exemplo, em uma negociação envolvendo um produto raro, cujo valor não é evidente. Se o vendedor for o primeiro a propor um preço, é possível que o preço final do bem seja influenciado pelo preço inicial sugerido. Situações desse tipo recebem o nome de first mover advantage, ou vantagem do primeiro a se mover.

Para aprender mais sobre o efeito âncora e suas aplicações, aqui vai uma dica de leitura: no best-seller Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Editora Objetiva), o já citado Daniel Kahneman dedica um capítulo inteiro ao efeito âncora. Se você leu este post até o final e ainda não tem o livro, vá correndo comprar. Tenho certeza que não irá se arrepender.

Resposta: Dos países membros da ONU, aproximadamente 28% são do continente africano.

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