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Segundo Freud (1937)[i], ensinar, assim como governar, é da ordem do impossível, no sentido de que os resultados serão sempre, em alguma medida, insatisfatórios. Exemplos recentes de violência nas escolas do Brasil e do mundo confirmam, em diferentes graus, que o ensino traz consigo um continuum de problemas profundos. Diante disto, como explicar até que ponto fatos como estes, conjugados com outras deficiências do ensino, afetam as decisões individuais de investimento em educação nos moldes que conhecemos? Ou, colocando o problema de forma mais ampla, qual a importância relativa dos elementos intrínsecos ao comportamento do estudante nos resultados alcançados por este e no seu processo de decisão de investimento em educação?

Pela ótica da plena racionalidade, bastaria pensar que mais educação é sempre melhor, e, portanto, um objetivo a ser alcançado. Mas, apesar de ser senso comum que a educação melhora os resultados e as recompensas monetárias ao longo da vida, certas evidências acerca destas decisões intrigam os pesquisadores da área. Por exemplo, uma proporção considerável de estudantes desiste da educação, justo em um ponto do tempo em que os retornos estão em seu máximo, e evitam cursos de matemática, apesar dos retornos destes serem substanciais[ii].

Uma forma de entender a complexidade do investimento educacional decorrente da contraposição entre as evidências empíricas e o que os modelos tradicionais prescrevem é pelo uso da Economia Comportamental. Não irei aqui trazer todo o apanhado das contribuições no tema[iii], mas o objetivo é encorajar os estudantes a considerarem este campo de pesquisa ainda muito incipiente. Para isto, pode-se começar por uma constatação de que na literatura de Economia da Educação o foco é principalmente sobre as habilidades técnicas (hard skills), tratando as habilidades comportamentais (soft skills) como uma caixa preta. Ou seja, a literatura tradicional em Economia da Educação enfatiza as habilidades cognitivas na medida em que ela prioriza o estudo das relações diretas entre mais alto nível de educação e ganhos futuros, bem como dá maior importância às informações do estudante acerca de suas notas, especializações e locais onde se formou. No caso do Brasil, as avaliações em larga escala claramente priorizam tais habilidades cognitivas[iv]. Entretanto, se abrirmos esta caixa preta com as ferramentas da Economia Comportamental e Experimental, para compreender o desenvolvimento de preferências sociais em crianças e adolescentes, por exemplo, pode ser que consigamos: a) entender melhor as decisões de investimentos em educação; b) identificar a capacidade das políticas públicas voltadas para a educação em considerar as razões das diferenças entre os estudantes e seus desempenhos; c) avançar na promoção de uma educação que realmente alcance os resultados de desenvolvimento humano que dela se espera.

Sendo assim, seria interessante verificar por que há uma igualdade de importância das habilidades comportamentais, como autocontrole, motivação, paciência e autodisciplina, na compreensão da performance dos estudantes.

Para tal, farei aqui um resumo das contribuições de Koch et al. (2015), iniciando com uma controvérsia usual que surge no campo dos determinantes do desempenho: haverá uma suposta diferença de gênero pela qual as meninas tenderiam a tirar melhores notas e se sair melhor em testes de leitura, enquanto os meninos tenderiam a se sair melhor em testes padronizados, principalmente em matemática? A importância de se analisar este ponto estaria no fato de ser possível entender o papel das diferenças de gênero nas escolhas educacionais.

Uma possível explicação dada na literatura para tal resultado seria a melhor resposta individual a pressões competitivas, como se as mulheres tivessem um comportamento padrão de se afastarem de competição. Porém, alguns outros resultados foram encontrados no sentido dos estereótipos acima, os quais podem estar sendo reforçados por forças sociais e por composição de grupos (diferenças culturais e escolas somente de meninas, respectivamente, seriam os caminhos para se observar o papel destes fatores exógenos como reforços dos referidos estereótipos).

Vendo mais de perto este ponto de diferenças de performance por gênero devido à pressão competitiva pela ótica das soft skills, tem-se que não seria a partir do gênero o caminho para tratar as diferenças individuais nas performances. Mas sim, de um ensino que desenvolvesse habilidades comportamentais capazes de trabalharem o problema de se subestimar as habilidades relativas em matemática das meninas.

Indo então para uma perspectiva mais ampla dos problemas relacionados ao aprendizado, no sentido de entender que habilidades comportamentais são estas, tem-se o seguinte: uma primeira habilidade comportamental que afeta as decisões de investimento em educação, conjuntamente com o grau de esforço no aprendizado, é o autocontrole. Os estudantes frequentemente negligenciam o esforço de estudo mesmo sabendo que futuramente irão se arrepender, de forma que as notas obtidas não somente dependem da aptidão intelectual (aqui vale um comentário: em tempos atuais de intensa exposição dos jovens a distrações tecnológicas e imagéticas, sustentar tal esforço de concentração por longos períodos de estudo é um desafio ainda maior. Além disso, estudos na área da neurociência indicam que a maturação neurológica demora mais de 20 anos, o que contribui para um desejo sempre presente nos adolescentes por ganhos presentes em detrimento dos ganhos futuros[v]).

Há, neste aspecto do autocontrole, uma heterogeneidade entre os indivíduos, que gera consequências importantes para o comportamento. Pois os mais conscientes percebem a inconsistência temporal nas preferências (sabem que preferir menor esforço hoje ou desistir de estudar gera menor recompensa futura) e se comprometem de forma a regular seu comportamento e evitar escolhas impulsivas.  Esta distinção em relação a grupos de estudantes menos conscientes permite que o professor atue, por exemplo, oferecendo oportunidades de comprometimento de esforço no estudo, como seções extras de exercícios supervisionados.

Assim, os estudos indicam que a paciência prediz o sucesso acadêmico, podendo-se com isso explicar o porquê de os testes indicarem que as meninas se saem melhor do que os meninos nas notas, pois estes últimos seriam mais impacientes. Um efeito desta impaciência relativa é que nas últimas décadas, nos Estados Unidos, por exemplo, maior tem sido o número de anos que as mulheres passam estudando na Universidade em relação aos homens.

Um segundo elemento listado pelos autores, que afetaria o subinvestimento em educação, bem como os baixos resultados educacionais, estaria ligado aos efeitos de recompensas sobre a capacidade de afetar incentivos extrínsecos a estes resultados.  Uma motivação extrínseca no contexto escolar pode ser, dentre outras coisas, recompensas como notas e ranqueamento, pois estes afetam o status do estudante, o qual, por sua vez, tem um efeito importante sobre comportamento humano.  Mas, como este sistema de avaliação é dependente do tipo de ambiente competitivo no qual os alunos estão inseridos, fica difícil saber se motivação implica boas notas ou se as boas notas causam motivação.

Assim, apesar da literatura listada por Koch et al. (op. cit.) indicar grande número de razões extrínsecas para o alcance de boas notas, vale ressaltar as motivações intrínsecas neste processo. Nas palavras dos autores, muitas das análises em investimento educacional enfatizam os benefícios extrínsecos de se obter desempenho mais alto, negligenciando motivação intrínseca como curiosidade e prazer em aprender. Por este enfoque, autoestima e autoconfiança teriam papel chave na construção de tal tipo de motivação intrínseca. A indicação da literatura convencional em Teoria Econômica é que pessoas com problemas de autocontrole, ao processarem informações sobre suas habilidades se tornam autoconfiantes, acreditam em seus esforços e se tornam mais motivados e produtivos. Mas uma distorção que se deve evitar é que educadores (pais e professores) reportem falsas avaliações de habilidades para fazer nascer autoconfiança.  E outra distorção possível é que a percepção de habilidade pode levar na verdade a baixo esforço, se agravando em ambiente muito competitivo, pois este limita o número de boas notas, tornando menos favorável o feedback sobre habilidade em situação de alto esforço.

Além de compreender a natureza destes grupos de habilidades comportamentais, vale tecer alguns comentários sobre a influência do ambiente que as envolve, bem como os investimentos em educação.  Um primeiro componente do investimento em educação são os insumos provenientes da família, que indiscutivelmente afetam os resultados das crianças, no sentido de que a transmissão de habilidades é fortemente ligada à educação dos pais e ao background sócio econômico, tanto quanto ao investimento nas crianças. Por sua vez, como é bem sabido, os insumos proporcionados pelas escolas, como tamanho da sala e qualidade do professor são cruciais no entendimento da produção de educação. Mas alguns desafios indicados pela literatura se apresentam, como aqueles relacionados ao saber por que melhores recursos escolares não estão robustamente associados com resultados escolares. Por exemplo, são fatores influenciadores da motivação dos alunos a identidade destes com a filosofia e o ideal da escola, bem como as características ideais de comportamento que as escolas esperam de seus alunos. Mais especificamente, se a escola projeta um aluno dentro de uma “categoria social” e se os seus alunos optarem por preservar sua autoimagem, rejeitarão o ideal da escola e se esforçarão pouco, apesar de aparentemente ser mais atrativo investir na obtenção de aquisição de habilidades. Assim, as escolas podem evitar tais resultados sendo mais inclusivas, evitando impor um perfil ideal e sacrificando a promoção de habilidades e estímulo à competição.

Vendo por último o papel da influência dos pares no desenvolvimento de habilidades comportamentais. Por exemplo, estudos indicam que a observação dos pares lutando com seus problemas de autocontrole influencia a habilidade da pessoa que observa a lidar com seus próprios problemas de autocontrole. Dependendo do nível inicial de autoconfiança do estudante sobre sua força de vontade e confiança nos demais, dois tipos de resultados podem surgir: um no qual as interações sociais tornam os problemas de autocontrole piores ou melhores e outro no qual as duas coisas podem ocorrer.  Assim, se o par ótimo tem um problema de autocontrole ligeiramente pior tal que aquele que o observa, então o sucesso do primeiro é encorajador (“Se ele (ou ela) pode fazer, eu também posso”) e suas falhas não tão desencorajadoras (“ Ele (ou ela) teve uma batalha mais difícil de enfrentar do que eu”). Todavia, em grupos de indivíduos com autoconfiança realmente muito baixa, interações sociais exarcebam problemas de autocontrole (questões relacionadas ao uso de bebidas alcoólicas, drogas, crime, gravidez precoce e comportamento desafiador).

Uma discussão final diante destes resultados é que podemos perceber como o integrar da Economia Comportamental com a Economia da Educação permite compreender a complexidade da tomada de decisões educacionais para tratar dos dilemas que este campo faz surgir. Acima de tudo, escolas e universidades não são somente espaços para a transmissão do conhecimento, mas são lugares onde os alunos dedicam um enorme período de suas vidas ganhando experiências e construindo suas biografias futuras. E desenhar soluções via políticas públicas para a educação sem considerar estas especificidades implica no mínimo em tornar interminável o tratamento dos problemas que se apresentam.


[i]  Freud, S. (1937). Análise Terminável e Interminável. Ed. Standard Brasileira, vol. XXIII, Rio de Janeiro: Imago, 1969.

[ii]  Koch et al. (Koch, A.; Nafziger, J. Nielsen, H. S. Behavioral economics of education. Journal of Economic Behavior & Organization. 115, 2015),  indicam uma literatura neste campo de evidências contraintuitivas e oferecem um tratamento em Economia Comportamental e Experimental para este tema. Estes foram os autores que orientaram o eixo deste post.

[iii] Para aprofundar o tema na direção do papel dos incentivos sobre o desempenho dos estudantes, sugiro ver também Levitt, S.D.; List, J.A.; Neckermann, S.; Sadoff, S.  Behavioral Economics to Improve Educational Performance. American Economic Journal: Economic Policy. Vol. 8, n. 4, November 2016.

[iv] Ver, por exemplo, a Matriz de Referência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) do Brasil ( http://inep.gov.br/educacao-basica/encceja/matrizes-de-referencia).

[v] Lavecchi, A.M. et al. Behavioral Economics of Education: progress and possibilities. Discussion Paper n. 8853,Germany: IZA, February 2015 (disponível em http://repec.iza.org/dp8853.pdf).

 

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